quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Passagem de Homens são de Marte e Mulheres são de Vênus

Aqui vai uma breve passagem sobre as diferenças entre homens e mulheres...Concordem ou não, eu assino em baixo. 
A VIDA EM MARTE

Os marcianos valorizam o poder, a competência, a eficiência e a realização. Eles estão sempre fazendo
coisas para se provarem e desenvolverem seu poder e suas habilidades. Seu senso de si mesmo
é definido pela sua habilidade em alcançar resultados. Eles experimentam satisfação principalmente
através do sucesso e da realização.
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O senso de si mesmo de um homem é definido
pela sua habilidade em alcançar resultados.

Tudo em Marte é um reflexo desses valores. Até suas roupas são desenhadas para refletir sua
habilidade e competência. Policiais, soldados, homens de negócios, cientistas, motoristas de táxi,
técnicos e chefes, todos usam uniformes ou pelo menos chapéus para refletir sua competência e
poder.


A VIDA EM VÊNUS

As venusianas têm valores diferentes. Elas valorizam o amor, a comunicação, a beleza e os relacionamentos. Elas passam muito tempo amparando, ajudando e acalentando umas às outras. Seu senso de si mesma é definido pelos seus sentimentos e pela qualidade dos seus relacionamentos. Elas experimentam satisfação em compartilhar e se relacionar.

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O senso de si mesma de uma mulher é definido pelos seus sentimentos
e pela qualidade dos seus relacionamentos.

Tudo em Vênus reflete esses valores. Mais do que construir estradas e edifícios altos, as
venusianas estão mais preocupadas com a vida em conjunto com harmonia, com a comunidade, e
com cooperação amorosa. Os relacionamentos são mais importantes do que trabalho e tecnologia.
Na maioria das vezes seu mundo é o oposto de Marte.

OS HOMENS VÃO PARA SUAS
CAVERNAS E AS MULHERES FALAM

Uma das maiores diferenças entre homens e mulheres é como eles lidam com o estresse. Os homens se tornam progressivamente concentrados e retraídos enquanto as mulheres se tornam progressivamente indefesas e emocionalmente envolvidas. Nessas horas, as necessidades de um homem para se sentir bem são diferentes das de uma mulher. Ele se sente melhor resolvendo problemas, enquanto ela se sente melhor conversando sobre problemas. Não entender e aceitar essas diferenças cria atrito desnecessário nos nossos relacionamentos.


Conclusão:

Enquanto homens e mulheres continuarem a não entender o que um ou outro precisa, sempre acontecerão discussões chatas, sem sentido, sem motivo e sem nexo, que geram um turbilhão de coisas e não agregam nada ao relacionamento, apenas desgasta o amor que sentem um pelo o outro, enquanto esquecermos os motivos pelos quais nos apaixonamos por nossas mulheres, maridos, namorados ou namoradas, e esquecermos o motivo de querer passar tanto tempo com essa pessoa, até a vida inteira, continuaremos em busca de algo que desejamos tanto mas que nós mesmo colocamos obstáculos em encontrar.

Somos felizes sempre que conhecemos alguém, porque essa pessoa tem algo a nos acrescentar e mostrar, porém com o passar do tempo, parece que esquecemos ou deixamos de lado tanto amor, carinho e respeito que existiram na relação, e quando percebemos os porquês, quando paramos pra analizar o parceiro,a nós e a relação, não nos damos conta de tudo o que perdemos com tanto desentendimento desnecessário, tantas coisas feitas sem sentido, um monte de coisas sem explicações óbvias.

A essa altura, ou está tudo por um fio, ou já é tarde demais.

Nunca devemos esquecer porquê que a pessoa que está do nosso lado, foi escolhida pra estar ali, nem à frente e nem atrás...Mas ao lado, passando por tudo juntos, vivendo tudo juntos, superando e conquistando tudo juntos. Amor eterno existe? Não sei, mas adimiração eterna com certeza , é só olhar a história do mundo e ver quantos nomes são adimirados ápós séculos.

Por quê não podemos adimirar alguém por apenas uma vida?!

A resposta é simples: - Por não compreender, detectar e sentir  a necessidade que nosso parceiro(a) tem num dia dificil de trabalho, problemas com família, ou preocupações corriqueiras do dia a dia, como contas de água, luz, aluguel, IPVA, IPTU,condomínio, carro, moto, gasolina, álccol, trabalho longe, horas a fio no trânsito...

Homens e mulheres são diferentes em vários aspéctos, porém o que mais queremos ao chegar em casa, é um beijo, um abraço, e um sorriso da pessoa que mais amamos, sentir-se protegido e amado, tanto homem quanto mulher, queremos apenas sentir o calor da ternura que temos um pelo outro. Nosso porto seguro sempre será em casa nos braços de quem amamos.


sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Dinheiro, beleza, inteligência… O que atrai as mulheres em um homem?

 
pinky-brain
Nada disso. Mulher quer se sentir escolhida e vai desejar o homem que mais puder conquistar outras. Mas o que exatamente isso significa?

Não é uma questão de grana, corpo ou cérebro

“Mulher gosta é de dinheiro” é uma frase muito comum no discurso masculino, principalmente entre homens frustrados que se consideram bonitos, já fizeram alguns cursos de sedução com mestres PUA e agora, num bar, enquanto fazem piadas com o jargão, silenciosamente desistem de entender a dinâmica do desejo feminino.
Em outro canto, um nerd investidor chega sozinho em casa, depois de levar uma garota para uma restaurante caríssimo, e inveja o rosto bonito do amigo Don Juan que parece provocá-lo com sua foto do Twitter que sorri sem parar.
O ricaço bonitão, por sua vez, em algum outro restaurante, patina em total desconforto diante dos papos iniciados pela morena deliciosa à sua frente. “Hum, acho que sei do que ela está falando… Qual era mesmo a filosofia de Hume? Era algum lance sobre não sabermos se o Sol vai nascer amanhã, é isso?”. Ele está certo e poderia até brincar com sua dúvida (ainda mais com Hume), mas permanece quieto e logo desvia o assunto ao mesmo tempo em que ela desvia seus olhos para a rua, não exatamente em busca de um historiador da filosofia, mas de um homem qualquer, menos covarde, que pudesse ouvi-la e seguir a conversa.
E enfim, numa sala de reunião ali perto, os homens com a combinação perfeita: dinheiro, beleza e inteligência. Ah, sim, muito deles são traídos por não terem tempo. E se tiverem tempo, senso de humor e treparem como animais… bem, algo me diz que não será suficiente.

O que dinheiro, beleza e inteligência tem em comum?

Todos os caras que tem dificuldades em seduzir uma mulher estão parcialmente certos ao culpar a ausência de grana, boa aparência ou plasticidade mental. No entanto, a razão para isso não é o fato de que as mulheres são atraídas por dinheiro, beleza e inteligência, como se cada um dos quesitos constituísse 33% da nota final.
Na verdade, as mulheres procuram (sem saber) um homem com uma qualidade específica curiosamente presente em homens extremamente bonitos, ricos, poderosos e inteligentes. Entretanto, ela pode muito bem existir na ausência de tais atributos – em teoria, pelo menos.
Quem é esse homem tão desejado pelas mulheres? É o homem que pode escolher.

“Você é especial”

“Os amores da vida são fundados num quiproquó tanto quanto os amores terapêuticos. Quando nos apaixonamos por alguém, a coisa funciona assim: nós lhe atribuímos qualidades, dons e aptidões que ele ou ela, eventualmente, não têm; em suma, idealizamos nosso objeto de amor. E não é por generosidade; é porque queremos e esperamos ser amados por alguém cujo amor por nós valeria como lisonja. Ou seja, idealizamos nosso objeto de amor para verificar que somos amáveis aos olhos de nossos próprios ideais.”
Contardo Calligaris, em Cartas a um Jovem Terapeuta
Depois dessa citação do Calligaris, você já pode brincar com sua namorada quando ela soltar elogios:
“Você só me acha esperto, gostoso e charmoso porque quer ser amada e desejada por um cara esperto, gostoso e charmoso.”
Não só ela. Todos nós, homens e mulheres, somos mendigos absurdamente carentes de olhares. Queremos nos sentir vivos – e nada melhor para isso do que uma pessoa com olhos brilhantes ao nosso lado. Queremos ter uma existência com sentido, ser alguém especial. Um parceiro que acredite em vidas passadas, almas gêmeas e amor eterno, piscando em nossa direção, talvez dê conta do recado.
Já que nossos pais não são imortais para sustentar pra sempre nossa identidade de filho, empresas e projetos oscilam demais para manter nossas identidades profissionais, amizades se alternam, cidades se movem, os times caem para a segunda divisão, sobram duas opções pra quem está tentando ser alguém: casar e ter filhos. Marido e esposa, pai e mãe. Eis talvez as únicas identidades que podemos (com sorte) sustentar até a morte.
Está explicado porque o casamento é a nossa maior esperança de felicidade. Jogamos nosso ar dentro dos pulmões do outro (no começo, ele a deixa “sem ar”) e depois torcemos para que ninguém vá embora (no fim, ele não consegue mais respirar).
o-amor-e-cegoMas não vamos deixar nossa vida na mão de qualquer um. De que vale um elogio “Você é um gênio!” vindo de alguém com baixo QI? Pode admitir: é muito mais gostoso ouvir “Você é um gato” de uma mulher estonteante do que de uma feiosa.
Para que a gente se sinta especial, é preciso antes que nosso parceiro seja especial! Caso contrário, a gente não acredita, o encanto não pega, a mágica não funciona.
“Ela é especial” é uma das primeiras frases na fala de um homem apaixonado. O que ele esquece de dizer é o seguinte: “Preciso encontrar razões para que ela seja especial, caso contrário eu não acreditarei quando ouvir dela que sou especial”. E então ele diz que ela também adora AC/DC, se ela for um pouco gorda. Ressalta que ela faz tudo na cama, se não for tão esperta…
Mas nenhum desses elogios se compara ao grande “Você é especial”. Inteligentes muitos são, bonitos, ricos, gostosos também. Agora, o que mais desejamos é ser únicos, singulares, ímpares, fodões, insubstituíveis. Ou melhor, sem plural: premium, VIP, edição limitada, one of a kind.
Mais do que elogiados, queremos ser escolhidos. Não entre dois, três ou dez. Mas entre todos, de todo o o Brasil, de todos os países, continentes – planetas, se possível. Se encontro alguém que poderia conquistar 4% das pessoas e ouço um “Você é especial, você é tudo pra mim, case-se comigo”, bem, sou 4% especial, ou melhor, especial num universo muito pequeno. Eu poderia confessar a um amigo: “Eu não gosto tanto dela!”. A  verdade? “Ela não é especial o suficiente para me fazer acreditar que sou especial”.
O verdadeiro tesão em comer uma mulher perfeita não está na perfeição do corpo (afinal esses detalhes não fazem muita diferença no prazer sexual), mas na sensação narcísica de ser escolhido por uma mulher que poderia escolher qualquer outro homem.
É isso que Calligaris quer dizer com “aos olhos de nossos próprios ideais”: não basta que o outro me admire; eu preciso ser admirado por aquilo que eu mais considero digno de admiração e, mais ainda, por alguém que admiro. Como não consigo fazer tudo isso sozinho, chamo mais um par de olhos.

A redenção dos homens e o fracasso da esperança feminina

Do outro lado, qual é o homem que mais poderia fazer uma mulher se sentir especial?
O homem que pudesse ter todas. O homem que pudesse, sem mentir, afirmar o seguinte: “Eu poderia estar agora com qualquer outra, mas estou com você”.

Don Juan de Marco talvez perca apenas para Johnny Deep… ;-)
É por isso que dinheiro, inteligência e beleza parecem ser fatores de atração: eles ampliam o leque das possíveis mulheres que um homem pode conquistar. Qualquer outro atributo que faça o mesmo (ter um blog lilás, por exemplo) fará o papel do dinheiro. Ou seja, as mulheres não querem dinheiro, elas querem o que as outras mulheres parecem querer. Jessicar Parker e Melissa Burkley, duas pesquisadoras da Universidade de Oklahoma, concordam: mulheres preferem homens casado.
O que deixa tudo ainda mais engraçado: o nosso desejo não tem base alguma, não tem um objeto rastreável que poderia ser encontrado e entregue para nosso completo gozo. O nosso desejo – e principalmente o das mulheres (pergunte o porquê para Freud e Lacan) – é montado em cima de outro desejo, que por sua vez se monta em cima do nosso, como em uma caminhada de dois cegos: “Vou te seguir, você tá olhando tudo, né?”.
Embora muitas mulheres se satisfaçam por um tempo com esse atestado imperfeito (“Ele poderia ter 90% das mulheres, mas me escolheu”), poucas desconfiam que essa impossibilidade de encontrar tal homem 100% garanhão é a prova final do fracasso desse processo de dependência. Não vai dar certo: homem algum conseguirá fazer sua mulher acreditar que é especial porque, no fundo, ela sempre vai pensar “Se ele pudesse pegar outras melhores, ele não estaria comigo”.
Aos homens, coitados, não sobra tempo sequer para relaxar um pouco depois dessa redenção. É nosso o mesmíssimo fracasso. Nenhuma mulher conseguirá atender ao que pedimos, sem saber, no começo da relação: “Seja uma mulher desejada por todos, uma mulher que possa ter qualquer um, quando quiser, e me escolha como seu homem; assim me sentirei um grande homem”. Sofremos do mesmo tipo de alucinação de Pinky e Cérebro. Não, não vamos conquistar o mundo.
Fica complicada até mesmo a vida do cafajeste que se propõe a usufruir dessa dinâmica para seduzir várias mulheres. Nenhuma delas vai conseguir estabilizar a identidade de Don Juan. Enquanto o homem comum se preocupa em seduzir mulheres, os cafajestes gozam mesmo ao conquistar desejos e assim afirmam sua identidade e seguem com sua energia. Assim que um desejo feminino for fisgado, ele será obrigado a partir para outra. Sua liberdade e possibilidade de escolha vai ter o mesmo tamanho de sua prisão.

Mas isso tem saída?

Abra qualquer livro de psicanálise – ciência maldita que começou a levantar tais questões – e vá direto ao fim. Muitas vezes a saída proposta é apenas isso: aceite esse processo e tente conviver da melhor forma com essa falta, essa impossibilidade, essa lacuna, esse vazio, esse abismo…
Eu concordo. Dentro desse jogo, não há resolução. Não há saída. Todos os condicionamentos estão bem costurados debaixo de nossa pele e não será tão fácil nos liberarmos desses padrões de comportamento narcísico, autocentrado. Adoro a visão psicanalítica justamente por ser tão  impiedosa ao corroer nossas mais queridas ilusões e esperanças.
Talvez, no entanto, haja algum jeito de agirmos com liberdade em meio a esses jogos, até porque é a própria liberdade que está sendo valorizada quando desejamos o homem ou a mulher que poderia conquistar qualquer outro. Em vez de tentar sequestrar esse desejo livre para satisfazer nossa carência, haveria outro modo de relação entre dois seres nada especiais e completamente substituíveis?
Cabe a nós experimentar outras possibilidades e dar o exemplo. Ainda estou longe. E você?

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Como trair sua mulher… com ela mesma

Como trair sua mulher… com ela mesmatrair
Será que a traição é o segredo para um casamento saudável?

 

Sedução: a diferença entre amantes e maridos

Vamos começar comparando 2 conversas. A primeira entre duas pessoas que mal começaram a se explorar e a segunda entre um casal que namora há tempos. Em ambos, a intenção do cara é sexo irrestrito (novidade!).
Ele: Seguinte, vou passar aí e vamos aproveitar a única noite que presta no Rey Castro.
Ela: Não, hoje não vim preparada pra sair, to cansada, suja, imprestável… Amanhã?
Ele: Amanhã a banda é outra. Suja? Você acha que eu quero perfume? Eu quero você.
Ela: Hum… Continua…
Ele: Continuo, sim, mas dentro do carro assim que você entrar. Aliás, já cheguei, tempos modernos, to teclando do cel. Desce!
Ela: hahaha… Ok, te espero.
Seis linhas bem objetivas e temos mais um casal feliz no mundo. Eles são casados com terceiros, mas isso é o de menos em nossa análise. ;-) Vamos ao segundo casal:
Ele: Hoje é quarta, tem aquela banda de salsa no Rey Castro. Vamos?
Ela: Não, hoje não vim preparada pra sair, to cansada, suja, imprestável… Amanhã?
Ele: Amanhã a banda é outra. Mas tudo bem, a gente vai semana que vem. Amanhã a gente vê um filme, então.
O problema é que ele não queria sair com ela amanhã. Seu corpo estava bombando hoje, seu desejo, sua potência, o brilho no olho. Muito a oferecer. A salsa, não o cinema. Hoje! Não amanhã, porra! Tem dias que surge uma potência que precisa ser oferecida, como se fosse um presente que vem junto com uma bomba relógio. Um vigor que que não pode acabar em masturbação, que vem junto com uma vontade de atravessar nossa mulher, tirá-la do chão, fazê-la sorrir com cada uma das células até relaxar completamente com os cílios roçando em nosso peito. E ainda dizem que homem não vincula sexo a amor… Aham.
Dizem também que homens pensam com a cabeça de baixo. Mentira. Se homens ouvissem mais o próprio pau, eles não aceitariam “Não”, eles não cederiam ao cansaço – que era o verdadeiro interlocutor no lugar da mulher. O pau é preciso, insistente (como um sedutor profissional), imóvel, impetuoso, paciente: quando quer algo, faz de tudo pra conseguir, continua, continua, continua, até chegar em seu objetivo. Seus donos poderiam ser assim, não?
A mulher queria a salsa (ela reclamava silenciosamente por eles sempre terem adiado essa noite), mas o cansaço estava maior. Era preciso um homem para ajudar a quebrá-lo e injetar ânimo em suas veias. Um homem para abri-la às possibilidades da noite que ela mesma sempre quis.
Seu namorado muitas vezes não é esse homem. Ele a respeita, ele sabe como ela fica quando está cansada, ele aceita, tem a certeza de que a relação vai continuar, semana que vem eles vão, tem o cinema amanhã, é só chegar e beijar, ela é sua namorada quase noiva, a data do casamento só depende daquele padre, ele já comprou o anel, sexo garantido, vão assinar papéis, é sua mulher, sempre disponível, só ligar. Não sabe mais o significado de urgência. Ele não é seu amante.
Por isso às vezes penso que toda namorada eventualmente deveria se fazer de difícil, caso contrário o cara vai acabar exercitando suas habilidades de sedutor com outras. Ou pior: vai perdê-las.
O tesão masculino não é exatamente o sexo, mas a sensação de romper, ultrapassar, superar barreiras, limites, obstáculos, desafios. Hímen, manha feminina, mistérios do universo, oscilação das ações, confusões da mente, segredos do empreendedorismo, recordes dos esportes… É isso o que nos move. Quer conquistar um homem? Deixe um problema na mão dele. É assim que empresas conseguem ter homens ao redor por mais de 8 horas diárias, é assim que mulheres conseguem um pai para seus filhos.

Envolvimento: sobre como congelamos nossos parceiros

As vezes me assusto com o modo de que alguns caras falam de suas parceiras. Se o tema é relações paralelas, traição, ciúme, ele afirma com toda a certeza do mundo: “Ela nunca aceitaria isso, sofreria, acabaria com tudo”. Se o tema é sexo, mais certezas: “Ah, não, isso já tentei mil vezes, ela não gosta. Fazer o quê?”.
Minhas respostas são sempre variações da seguinte pergunta um tanto cruel: “Imagine outro cara com ela. Você tem certeza absoluta de que ela agiria do mesmo modo?”. Sempre desconfio de caras que dizem conhecer suas mulheres.
O envolvimento usual entre duas pessoas parece causar uma crescente solidificação de identidades. Quanto mais eles se conhecem, mais excluem outras possibilidades. Fecham espaço para surpresas e ainda tem a coragem de reclamar disso ao fim: “Não dava mais, acabei. Era tudo muito previsível, ele parou de me surpreender…”. A amiga deveria responder: “Mas é claro! Você mesmo impedia o cara de te surpreender”.
Num certo sentido, somos todos um pouco mães de nossos parceiros:
–Filho, por que você tá comendo esse mousse da sua tia? Você não odeia qualquer coisa com maracujá?
–Odiava, mãe, odiava. Mudei desde que sai daqui.
–Tá bom, mas come esse pavê que eu fiz pra você.
–Não gosto de pavê.
–Mas você adora pavê, filho! Lembro de como raspava a tigela… Toma, já coloquei pra você.
Desenvolvemos um padrão de relacionamento com o outro, começamos a surgir de um jeito, começamos a vê-lo de um jeito e, quando menos percebemos, nunca mais desconfiamos de que talvez o outro seja muito mais do que aparece para nós, de que outros o ativem de outro modo, de que ele encarne outros personagens com outras risadas, outras piadas, outros olhares, outros gestos. Às vezes vamos com a namorada visitar um primo das antigas e então nos surpreendemos com ela falando e olhando diferente diante dele. É como se fosse uma mulher que nunca havíamos encontrado!
O amante naturalmente possui essa sabedoria que muitas vezes falta ao galã principal. Ele sabe que a mulher tem uma outra relação, de que tem uma vida própria na qual provavelmente incorpora várias identidades. Ele mantém um desconhecimento saudável, uma espécie de ceticismo generoso. Ao ser perguntado sobre a amante, diz: “Não sei como ela agiria”.
Pensando bem, até mesmo os amantes sofrem da síndrome de crença mórbida do marido. Eles também congelam… Contudo, pela consistência de minha argumentação, vamos supor que estamos falando do arquétipo do amante, que tal? ;-)
O ponto é: sua namorada não é sua namorada, sua esposa não é sua esposa. Muito antes de ser sua namorada, ela foi namorada de outros, com os quais agia diferente, pensava diferente, sorria diferente, trepava diferente. Muito antes de ser namorada, ela é filha. Antes de ser filha, é mulher. É aluna, professora, jogadora de basquete, mestre em psicologia. Ou dentista, praticante de ioga, vocalista.
Ela é a liberdade de ser várias, cada uma com configurações corporais, expressões, movimentos, pensamentos específicos. Ela se conjuga sempre no plural. É um hardware sempre expansível com um software atualizado minuto a minuto (que as leitoras me perdoem, mas tem muito cara de TI que lê esse blog). É cambiante, é o vir-a-ser que já está em outro lugar no instante posterior ao nosso dedo apontado.
Ainda que aja com certos padrões, sua verdadeira natureza escapa de qualquer previsão. Impossível abraçá-la ou percorrê-la completamente. Ela é chuva, fogo, raio. Igual a você.

Consumação: como comer 20 mulheres de uma vez

Para cada mulher em nossa mulher, para cada identidade que não é a namorada ou a esposa, podemos gerar um amante específico. Podemos envolvê-la sem que ela abandone uma identidade para virar “a nossa namorada as we know it“.
Podemos ir até seu trabalho e seduzir a identidade que brota dentro do escritório. Conquistar a menininha que surge quando a família está ao redor. A mulher poderosa quando desce do palco depois de um show ou de uma palestra. A garota putinha que sai pra dançar quando está irritada com você. A velha desanimada e reclamona quando encontra a casa suja. A serelepe de cabelo preso do grupo de amigas da faculdade. A doutoranda aplicada lendo Foucault no sofá. A mãe, a massagista, a designer, a blogueira, a garota da academia, faxineira, a meditante, a turista… Podemos comer todas elas.
Ao fazer isso, ao despertar o constante Don Juan amante lover boy em nós, seguimos treinando nossa habilidade na arte da sedução. Ou melhor, nossa potência de atravessar, penetrar, abraçar, amar, dissolver, redirecionar, romper e transcender caras fechadas, mundos consolidados, ambientes sérios.
Olhamos para nossa mulher e vemos várias. E vemos também que muitas nos são invisíveis. Então abrimos mais os olhos. Quando chega uma delas, a funcionária cansada, lembramos que ela não é aquilo e logo miramos outra com nossos olhos, falamos com a outra como se ela estivesse atrás ou dentro da  mulher que está à sua frente. Abrimos espaço para que outras surjam. E do nada sai a salseira, a dançarina, a party girl. E ela não está cansada, afinal não saiu de casa o dia todo!
Em vez de respeitar o cansaço, você diz sem dizer: “Foda-se o que você viveu hoje, eu quero te fazer esquecer, eu quero você comigo hoje”. Às vezes o cansaço dela se desfaz no primeiro segundo do beijo. Basta explicitar nosso desejo, ativar outras mulheres, trair nossa mulher cansada com a mulher pronta pra sair, fazer com ela tudo o que fantasiamos diariamente e facilmente faríamos com outras.
Ao usar sua mulher, ao olhá-la como sua amante, algo incrível acontece: você passa a ser o amante também. Ela ganha espaço para fazer aquilo que não vislumbrava ser possível com você, aquilo que nem mesmo ela conseguia imaginar sozinha. Ela vai usá-lo, vai trair sua identidade careta com o bad boy, vai pedir coisas que você mesmo nunca imaginaria ser viável, que nunca teria coragem de propor. Pode acreditar: as mulheres são muito mais loucas do que pensamos.
A mulher olha para o namorado e pensa: “É, eu trairia meu namorado facilmente com esse cara aí. Faria isso, depois pediria isso e acabaríamos assim…”.
O cara pega sua mulher com fúria e, sem culpa alguma, consuma o adultério fazendo tudo o que sempre quis fazer com uma amante.
Pois é, num mundo com casamentos infectados com traições, às vezes a cura para a doença vem do próprio veneno.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Entre Pai e Filha





"À Deriva" conta de maneira perfeita a alquimia pela qual uma menina se torna mulher




Filme:  "À Deriva", de Heitor Dhalia.


O filme me encantou pela coesão entre o drama de Filipa, que tenta sair da infância e se tornar mulher, e a alternância entre planos fechadíssimos (como se a câmara procurasse nos dar acesso ao interior dos protagonistas) e planos abertíssimos, mais raros (as praias de onde saem os barcos que podem nos levar para o mar e a vida). E há a performance contida e justa dos atores: Vincent Cassel (o pai), Débora Bloch (a mãe), Camilla Belle (a amante do pai) e a inesquecível Laura Neiva (Filipa, a filha).


Mas o que mais importa é que Dhalia nos oferece um filme que conta de maneira perfeita (peso minhas palavras) o processo delicado e comovente pelo qual uma menina se torna mulher. Não digo "um" processo mais ou menos desastrado e quem sabe patogênico, mas um caminho "certo": o que é preciso para que uma menina, como Filipa, aprenda a amar e a ser amada fora de casa.


Se Freud assistisse a "À Deriva", ele dedicaria ao filme um texto magistral, não sem reafirmar, mais uma vez, que encontramos mais saber na ficção da arte do que nos esforços, sempre grosseiros, de expor nosso entendimento. Sem o gênio de Freud e com a mesma convicção, aqui vou eu.

Para que uma menina se torne mulher -por exemplo, ao longo de um verão- pode ser útil que ela descubra que o pai pode, sim, desejar outra mulher que não seja a mãe e não seja ela, a menina. É também preciso que, não por isso, o amor da menina pelo pai se transforme de vez em ódio ou no ressentimento do ciúme. Ajuda, para evitar que a menina se encalhe numa birra dolorosa, a descoberta de que a mãe também é capaz de desejar outro homem que não o pai.

Nessa altura, a menina ainda poderia decidir que o desejo é uma "porcalhada" dos adultos, e talvez fosse melhor ficar no limbo da infância -quem sabe renunciando definitivamente a todo prazer sexual ou, pior, a toda vida amorosa. Ou, então, ela poderia se tornar para sempre uma espécie de paladina do pai, à espera do dia em que, ele envelhecendo, ela poderá ser sua enfermeira e companheira até a morte.
Há uma condição para que esses caminhos de renúncia não sejam uma escolha forçada: é necessário que o pai se dê conta um dia de que sua filha não é mais uma menina, e que a filha seja e se sinta reconhecida como mulher pelo olhar paterno.
Na apresentação de "À Deriva" no Festival de Paulínia, a plateia (ou parte dela) achou que o tema do filme fosse o desejo incestuoso. Entendo, mas nada a ver. O caminho pelo qual uma menina se torna adulta é quase uma alquimia: existe um fio tênue, mas decisivo, que separa um desejo paterno incestuoso de um olhar do pai que confira à menina a certeza de que ela é desejável como mulher.
O desastre espreita a menina de ambos os lados, tanto se o incesto se realizar quanto se faltar um olhar que confirme que ela está se tornando mulher.

Não são raros os pais que caem das nuvens (justificadamente) quando, já adultas, as filhas os acusam de ter tido desejos ou mesmo gestos impróprios com elas quando eram crianças e adolescentes. Na grande maioria dos casos, trata-se de fantasias necessárias, maneiras de a mulher rememorar que, quando era menina, o pai enxergou nela a mulher que ela viria a ser.

Essa lembrança é tão necessária na vida de uma mulher que, para mantê-la viva, ela pode colori-la e deformá-la - atribuindo-lhe, aliás, a aparência de uma realização de seus próprios antigos desejos incestuosos pelo pai.

Mais grave é o caso em que essa lembrança não se constitui ou se apaga. Nessa eventualidade, a menina pode viver toda sua vida de mulher convencida de que nunca foi e nunca será desejada.
Um detalhe, para evitar mal-entendidos: na vida de uma menina, qualquer homem que esteja na hora e no lugar certos (avô, padrasto, professor e por aí vai) pode exercer a delicada função do pai.
Qual é o desfecho dessa história que se repete a cada dia? O fim do filme comoverá qualquer pai de menina, e seria sacanagem com o espectador contar as últimas cenas. Digamos assim: quando a história acaba bem, o que sobra é a sensação de um amparo paterno, de um lugar de ternura e de amor para o qual é possível voltar para se lavar das eventuais asperezas e sujeiras do desejo, mas um lugar que não infantiliza porque o pai continua enxergando e admirando a mulher que a menina se tornou.

Casamentos Possiveis


Em geral, a gente casa com a pessoa certa: com quem podemos culpar por nossos fracassos



UMA DAS boas razões para se casar é a seguinte: uma vez casados, podemos culpar o casal por boa parte de nossas covardias e impotências.

O marido, por exemplo, pode responsabilizar mulher, filhos e casamento por ele ter desistido de ser o aventureiro que ainda dorme, inquieto, em seu peito. A decepção consigo mesmo é menos amarga quando é transformada em acusação: "Você está me impedindo de alcançar o que eu não tenho a coragem de querer".

Essas recriminações, que disfarçam nossos fracassos, não são unicamente masculinas.

Certo, os homens são quase sempre assombrados por impossíveis devaneios de grandeza -como se algum destino extraordinário e inalcançável já tivesse sido sonhado para eles (e foi mesmo, geralmente pelas suas mães). Diante de tamanha expectativa, é cômodo alegar que o casal foi o impedimento.

As mulheres, inversamente, seriam mais pé-no-chão, capazes de achar graça nas serventias do cotidiano. Por isso mesmo, aliás, elas encarnariam facilmente, para os homens, os limites que a realidade impõe aos sonhos que eles não têm a ousadia de realizar.

Agora, as mulheres também sonham. Há a dona de casa que acusa o marido, os filhos e o casamento por ela ter desistido de outra vida (eventualmente, profissional), que teria sido fonte de maiores alegrias. E há, sobre tudo, para muitas mulheres, um sonho romântico de amor avassalador e irresistível, do qual, justamente, elas desistem por causa de marido, filhos e casamento.

Com isso, d. Quixote se queixa de que sua mulher esconde seus livros de cavalaria e o impede de sair à cata de moinhos de vento. E Madame Bovary se queixa de que seu marido esconde seus livros de amor e a impede de sair pelos bailes, à cata de paixões sublimes e elegantes.
Pena que raramente eles consigam ter os mesmos sonhos. Um problema é que os sonhos dos homens podem ser de conquista, mas dificilmente de amor, pois eles derivam diretamente das esperanças que as mães depositam em seus filhos, e, claro, uma mãe pode esperar que seu rebento varão seja um dom-juan, mas raramente esperará ser substituída por outra mulher no coração do filho.

Não pense que esse fogo cruzado de acusações seja causa recorrente de divórcio. Ao contrário, ele faz a força do casamento, pois, atrás da acusação ("É por sua causa que deixei de realizar meus sonhos"), ouve-se: "Ainda bem que você está aqui, do meu lado, fornecendo-me assim uma desculpa -sem você, eu teria de encarar a verdade, e a verdade é que eu mesmo não paro de trair meus próprios sonhos".

Ou seja, em geral, a gente casa com a pessoa "certa": a que podemos culpar por nossos fracassos. E essa, repito, não é uma razão para separar-se. Ao contrário, seria uma boa razão para ficar juntos.

Quando a coisa aperta, não é porque sonhos e devaneios teriam sido frustrados "por causa do outro", mas pelas "cobranças", que, elas sim, podem se revelar insuportáveis.

Um exemplo masculino. Uma mulher me permite acreditar que é por causa dela que eu não consigo ser o que quero: graças a Deus, não posso mais tentar minha sorte no garimpo agora que tenho esposa, filhos e tal. Até aqui, tudo bem. Como compensação pelos sonhos dos quais eu desisti, passo as tardes de domingo afogando num sofá e soltando foguetes quando meu time marca um gol, mas eis que, no meio do jogo, minha mulher me pede para brincar com as crianças ou para ir até à padaria e comprar o necessário para o café - logo a mim, que deveria estar explorando as fontes do Nilo ou negociando a paz entre os senhores da guerra da Somália.

Essa cobrança, aparentemente chata, poderia salvar-me da morosa constatação do fracasso de meus sonhos e das ninharias com as quais me consolo. Talvez, aliás, ela me ajudasse a encontrar prazer e satisfação na vida concreta, nos afetos cotidianos. Mas não é o que acontece: o que ouço é mais uma voz que confirma minha insuficiência.

À cobrança dos sonhos dos quais desisti acrescenta-se a cobrança de quem foi (ou é) "causa" de minha desistência e razão de meu "sacrifício": "Olhe só, mesmo assim, ela não está satisfeita comigo." Em suma, não presto, nunca, para mulher alguma -nem para a mãe que queria que eu fosse herói nem para a esposa para quem renunciei a ser herói. E a corda arrebenta.

O ideal seria aceitar que nosso par nos acuse de seus fracassos e, além disso, não lhe pedir nada. Difícil.

As Melhores coisas do Mundo

 

Os adultos ainda não desistiram de viver, e os adolescentes já estão vivendo, para valer



DOMINGO, NUMA conversa sobre filhos e netos, um amigo, pai de dois meninos que já têm mais de 20 anos, declarou que, graças a Deus, estava saindo da tormenta. Todos entendemos o que ele quis dizer: a relação entre pais e filhos adolescentes pode ser uma tormenta -e, às vezes, um tormento.

Essa tempestade se alimenta numa espécie de mal-entendido fundamental: 1) os adolescentes menosprezam a experiência dos adultos, 2) os adultos menosprezam a experiência dos adolescentes. Explico. 1) Para os adolescentes, em regra, os adultos (a começar pelos pais) são seres resignados (e talvez um pouco covardes), que desistiram de seus sonhos. A existência dos adultos sendo uma longa renúncia, entende-se que os entusiasmos e os sentimentos dos mesmos sejam quase sempre fingidos, inautênticos: uma encenação para um "ersatz" de vida.

Será que os adolescentes inventaram essa visão cruel e, de fato, sumária da experiência dos adultos? Nada disso: os adolescentes apenas acreditam em nossas próprias palavras. Como assim? Simples: estamos sempre prontos a salientar que a "época maravilhosa" que eles estão vivendo logo chegará ao fim e aí eles deverão se render à "triste realidade" (que seria a nossa), ou seja, eles conhecerão a desistência e o fracasso que seriam próprios da idade adulta.

Resultado: os adolescentes se surpreendem ou mesmo se revoltam quando um adulto, de repente, manifesta seu desejo. Um adolescente pode achar a mãe e o pai indignamente acomodados e chatos que nem zumbis vivendo numa sinistra rotina de deveres; o mesmo adolescente tacha de inconsequente e traidor do lar a mãe ou o pai que decide se separar para correr atrás de um amor. 2) Para os adultos, em regra, o adolescente é um ser provisório, inacabado: ele é apenas a promessa de um futuro no qual, enfim, ele viverá "de verdade".
Sobretudo na classe média, essa convicção é confirmada pelo fato de que os adultos bancam a longa adolescência dos filhos, e isso demonstraria que os adolescentes, sem independência, vivem uma época de formação, durante a qual a experiência é apenas um ensaio.

Um adolescente sofre por amor? Nosso olhar condescendente não é muito diferente do que seria se uma criança de oito anos nos dissesse estar apaixonada. Não é nada sério, é coisa de adolescente. O que um adolescente deve fazer para ser levado a sério? Nos últimos anos, em escolas dos Estados Unidos e da Europa, uma triste série de jovens saíram atirando, matando e se matando: "Será que, se eu assassinar dez colegas e três professores, alguém vai me levar a sério?", "e se eu me suicidar?". Quase todos esses jovens anunciaram seu desespero e seus planos, não em diários secretos, mas em blogs e sites que qualquer um podia acessar. Pois é, ninguém levou à sério.

Talvez a gente desvalorize a experiência dos adolescentes para compensar a inveja que nos inspiram suas vidas jovens e ainda para trilhar. Seja como for, os adolescentes retribuem nosso pouco caso considerando que somos apagados e previsíveis como o mobiliário da casa de família. Contra essa cegueira, pela qual ninguém enxerga a experiência do outro, um remédio: que você seja adulto ou adolescente, assista a "As Melhores Coisas do Mundo", o filme de Laís Bodanzky que estreou na sexta-feira passada. E, se for possível vencer a eventual resistência de todos, adultos e jovens, contra qualquer programa de família, melhor ainda: assista ao longa em bando. Garanto que o filme vai dar umas conversas boas e bem-vindas entre pais e filhos.

Os jovens gostarão de constatar que seu cotidiano vale a pena ser contado: o filme é um retrato milagrosamente exato da experiência adolescente (aliás, como a adolescência, ele consegue ser bem-humorado, divertido e, ainda, absolutamente sério).

Alguns comentaristas disseram que o tema do filme é o "bullying" na época da internet. Pode ser, embora eu prefira pensar que, simplesmente, não é fácil ir para a escola, a cada dia. E não é preciso que aconteça algo de extraordinário ou extremo para que a escola seja uma selva: para isso, basta a tarefa básica (e obrigatória para todos os adolescentes) de construir, inventar e preservar uma identidade sob o olhar impiedoso dos outros.

Mas, aquém ou além disso tudo, para mim, "As Melhores Coisas do Mundo" é um filme para os adolescentes descobrirem que os adultos ainda não desistiram de viver, e os adultos descobrirem que os adolescentes já estão vivendo, para valer.

Casar por amor é uma péssima idéia! – Parte 1


Nossos sentimentos e emoções vem e vão, crescem e desaparecem, como fases da Lua. Por que então tomá-los como base de nossas relações?

O amor como sentimento (ou sobre as crianças mimadas que somos)

“Na mesma época em que as crianças se tornaram representantes de nossa vida além da morte, começamos a organizar nossa sociedade pelos sentimentos. Não só nos casamos por amor, mas até nossos laços de sangue pouco valem sem os afetos. Passamos de um mundo em que havia laços com ou sem sentimentos (tanto fazia) a um mundo em que os sentimentos são condição dos laços.” –Cotardo Calligaris
Nós queremos ser chacoalhados. Filmes, músicas, drogas, álcool, chocolates, viagens, sapatos, amores… Somos felizes quando somos movidos por algo. Toda paixão – como já sugere a raiz grega, páthos – é uma forma de passividade. Nós sofremos paixão, padecemos, nos assujeitamos. Caímos arrebatados, atropelados. We fall in love: a paixão é algo que nos acontece.
Primeiro, a confissão “Estou apaixonado por ele!”, que significa “Ele faz coisas comigo, ele me deixa viva, linda e feliz”. Depois, “Eu te adoro”, nada diferente de pedir que o outro continue nos movendo, seguido pelo clássico “Eu te amo”, ou seja, “É por você que quero ser amada”. E enfim o pedido de casamento, cujo discurso gira em torno de “Eu nunca fui tão feliz como nos últimos anos, por isso quero passar o resto da minha vida com você” (assista aos dois primeiros pedidos: os caras não falam da vida delas, mas de sua própria felicidade). Em nosso autocentramento, o “Eu” de tais frases não é ator algum. É sujeito.
Se casamos por um amor desses, assim que o outro pára de nos mover, de injetar felicidade em nós, de causar tesão, nossa passividade se revela pura estagnação (pois afinal nunca nos movemos de fato, é sempre o outro que nos puxa de lá para cá). Quando ele pára de nos mover, paramos de amar. Trocamos então o “Eu te amo” por “Eu quero me separar”. O motivo? O outro nos fazia feliz, agora não mais. Razão suficiente para terminar uma relação, não é mesmo?
Se fosse apenas com as relações amorosas… O sentimento é considerado critério de veracidade, referencial ético, fundamento inquestionável para qualquer ação. Ele saiu do trabalho porque não estava se sentindo bem lá. Ela fuma porque gosta do que o cigarro a faz sentir. Ele quase não visita sua família porque se sente desconfortável entre tios e primos, gente chata e sem graça. E, claro, ela terminou o casamento porque o amor acabou. Os sentimentos são nosso refúgio e nossa certeza. Nossa intuição mais profunda: “Se eu sinto assim, então só pode ser verdade!”.
Tomando os sentimentos e as sensações como referencial, procuramos por tudo aquilo que nos faz sentir bem e nos afastamos das situações e seres que não nos trazem prazer. Com isso, nos tornamos mimados: “Rúcula eu não como porque não gosto”. A nova geração de homens “frescos” que não comem alguns legumes e verduras é impressionante! Esses dias conheci um cara que não come mamão. Pode isso? (Toda mulher deveria desconfiar do desempenho sexual de um homem que não come de tudo).
Por sermos mimados, acabamos por formar crianças mimadas. Contardo Calligaris (em "As Crianças do Divorcio") explica:
“Na sociedade atual, o projeto de ser feliz é mais importante do que qualquer obrigação – inclusive a de criar as crianças no quadro de uma família. Os pais que se divorciam transmitem esta opção a seus rebentos, que se tornam, portanto, os arautos da nova disposição subjetiva, assim resumida: o que mais importa é se dar bem.” [...]
“Muitas vezes nos queixamos, porque nossos rebentos se engajariam pouco em causas nobres, se drogariam mais, tentariam prosperar sem suar nenhuma camisa e outros lugares-comuns da besteira parental. De fato, os ditos rebentos respondem ao que lhes foi transmitido quando decidimos que nosso anseio de felicidade, conforto e prazer não deve recuar – nem mesmo pelo bem deles.”
Como sabemos que nos indispomos ao menor desconforto (e que o outro funciona do mesmo modo), evitamos ao máximo causar atritos no sentimento que elegemos como base da relação. Sob o risco do amor do outro acabar, temendo sermos abandonados como um brinquedo antigo jogado no fundo do armário, também mimamos nossos maridos e esposas. Tentamos não confrontar suas negatividades para que eles nunca deixem de se sentir amados. Ao mesmo tempo, nós também queremos nos sentir amados, então mimamos para sermos mimados – eis nosso pacto de mediocridade.
“Os laços construídos ao redor do amor são dos mais precários; os casamentos por amor duram menos, ao que parece, do que os contratos do passado. E, quando duram, podem doer mais (tipo: nossa vida é um inferno, a gente não se entende, mas ficamos juntos porque nos amamos).” Cotardo Calligaris
Como sentimento, o amor é inseparável da paixão que o fez nascer. É a lembrança dessa vinculação que, depois de anos de relacionamento, nos preocupa lá pelo quarto mês de paixão ausente: “Ele não me procura mais”, “Ela parece que não gosta mais de mim”. Se não há paixão, parece não restar mais amor, então outros sentimentos e emoções tomam conta do casal (já que o sentimento é sua fundação), muitas vezes o fazendo ruir de dentro para fora. Sem amor, qual o sentido de ficar junto?
Nosso mimo hedonista quase não é um problema comparado ao sofrimento gerado pela impermanência, pelas oscilações dos sentimentos. Funciona assim: um sentimento surge, dita o que é verdade para mim, dá sentido a todo o meu momento e me impulsiona para uma ação, então me movo em uma direção, até que o sentimento cessa (e com ele a verdade, o sentido e a ação) e me sinto perdido, confuso e impotente, sem entender como fui parar em um local desconfortável sendo que estava andando em direção a um horizonte de felicidade.
Exemplos? Uma mulher casada se apaixonou por outro, se separou para viver a paixão (que acabou) e agora sofre por não conseguir voltar para o casamento; um homem entrou em uma relação porque se sentia bem com a parceira mas não queria tomar esse direcionamento na vida e agora está mal por ter deixado seus projetos de lado; uma mulher que não gosta mais do marido, mas tem uma vida perfeita de casal, deseja muito se apaixonar por ele novamente, caso contrário diz que terá de se separar…
Se colocamos duas pessoas, lado a lado, se amando assim, arrastadas por sentimentos, qual a probabilidade de elas continuarem próximas por um longo tempo?
Continua…

Casar por amor é uma péssima idéia! – Parte 2

 
  

Na primeira parte, critiquei o amor como sentimento e nosso mimo hedonista. Agora falo sobre exigências, expectativas e paixões. Além dos sentimentos, haverá uma outra base para o casamento?

O All-in de nossas vidas (ou sobre exigências e intolerâncias)

“A expectativa excessiva produz intolerância. Com isso, negociar e procurar os compromissos sempre necessários numa vida de casal (e, em geral, numa família) parecem constituir uma traição de nossos sonhos de união perfeita. Nós nos divorciamos por esperar demais do casamento.” Contardo Calligaris
Eu sou fã de Seinfeld. Sempre dou risada com os motivos que eles alegam para acabar seus relacionamentos. Uma garota tinha a cabeça muito grande, outra tinha mãos masculinas, outra não ria de piada alguma, outra cortou o cabelo muito curto. E teve aquela que não deixava o Jerry fazer "a voz"… Com a Elaine, um cara tinha o banheiro sujo, outro não anotou o recado corretamente, outro não ofereceu torta, outro era contra o aborto… Mas todas perdem para a garota das ervilhas:
George: So, what’s going on with you and Melanie? I mean, I know you’re not getting married, but uh, things are happening?
Jerry: Well…actually, we kind of broke up.
George: You what?
Jerry: Well, you know, we were having dinner the other night, and she’s got this strangest habit. She eats her peas one at a time. You’ve never seen anything like it. It takes her an hour to finish them.
Rimos porque Elaine, Jerry, Kramer e George são caricaturas nossas. Em conversas sobre o namoro ou casamento com amigos ou amigas, sempre que consideramos a separação, começamos a listar o que não gostamos no outro: “Eu odeio quando ele faz isso!”. Descrevemos as ervilhas da relação. Podemos imaginar um tipo de amor incondicional, etéreo, transcendente, divino, imaculado, mas não é bem isso que encontramos em nosso corpo e em nossa mente.
Conosco, em falatório interno, fazemos uma outra lista: a de nossas exigências e expectativas. Se estamos juntos a alguém, não é porque estamos compartilhando vidas, caso contrário nenhuma separação seria traumática, mas porque estamos recebendo algo que exigimos. Para muitos, o casamento é nossa maior aposta na felicidade, o grande All-in de nossas vidas. Ao olharmos para nosso parceiro, no fundo, pensamos: “Se existe felicidade, o caminho é por ali!”. Assim que tal processo começa a falhar, as expectativas gritam: “Eu não estou sendo tão feliz quanto eu esperava!”. Nossa dor é do tamanho de nossa aposta romântica. O problema é que o prazer também, então apostamos alto…
Assim, em um mundo cheio de possibilidades, se estamos com uma mulher que não faz sexo anal, por que não trocá-la por outra que adora ser penetrada de tudo quanto é jeito? Se estamos com um homem que não sabe nenhum passo de tango, é hora de considerar substitui-lo por um tangueiro charmoso. Se não tivéssemos apostado todas as nossas cartas no outro, não haveria problema algum em conviver com suas imperfeições. Só que ele recebeu muito para nos entregar apenas isso! Depois da aposta, só ficaremos satisfeitos quando levarmos o grande prêmio, o pacote completo da felicidade.
Essa semana, um homem relatou alguns obstáculos sexuais que está enfrentando com a namorada. Alguém sugeriu terminar a relação e eu respondi: “Se ele terminar agora, é bem possível que ele leve mais dois anos com outra mulher para chegar precisamente no mesmo obstáculo”. Mimados e frescos, não comemos rúcula porque não gostamos, assim como queremos acabar a relação assim que alguns problemas começam a surgir. Não queremos dor e sofrimento, não queremos abandonar nosso conforto para lidar com as necessidades do parceiro. Queremos fazer apenas aquilo que gostamos, não o que é preciso. Junto com as noites de sexo, existem as noites de cólicas, febre ou simplesmente tédio. Você quer tocar e envolver somente uma parte do outro?
Tais questões talvez sejam bobas aos olhos de alguns homens de outras épocas, que provavelmente responderiam: “É claro que você tem de cuidar dela! Ela é sua mulher!” – o mesmo vale para as mulheres, claro. No entanto, atualmente é difícil se opor ao seguinte argumento: “Estou infeliz com ele, não preciso passar por isso”. Como perdemos as bases heterônimas que nos faziam manter a relação (Igreja, Estado e o olhar social como um todo), ainda não sabemos como sustentar as relações de modo autônomo, afinal nossa autonomia é também essa voz que não pára de falar “Ei, você pode ser feliz com outro homem!”.

A paixão camuflada de amor

O dilema apresentado na primeira parte do texto não tem saída. Seus desdobramentos não chegam a lugar algum. Patinamos e alternamos entre diversas visões, teorias, crenças e caminhos que só nos conduzem ao problema inicial: “Se a paixão é impermanente e o amor incondicional uma quimera destinada a seres iluminados, qual seria uma boa base para o casamento?”.
Tal pergunta se funda na crença de que paixão e amor são coisas diferentes (pano de fundo da grande maioria dos comentários). Cito um dos leitores:
“Deve-se levar também em consideração a definição que o autor tem de amor. Aparentemente, dentro de sua visão, o amor é apenas um sentimento, algo que está apenas no plano emocional. Eu chamo isso de paixão.”
Veja, essa não é minha definição de amor, isso é como a maioria de nós vive – justamente o que me propus a criticar! Eu estava apenas descrevendo nossa situação (tanto que o tópico é “O amor como sentimento”, não “O que é amor”). Sejamos sinceros: nas relações que vivemos, nos precipitamos em chamar de amor apenas uma paixão que durou um pouco mais e adentrou nossa vida a ponto de exigir mais de nós. O funcionamento desse amor é o mesmo que o de uma paixão, tanto que é raro acontecer uma separação tranquila ao fim de uma relação longa. Ora, se temos amor incondicional, por que ficaríamos mal quando alguém nos deixasse para ser mais feliz com outra pessoa?
Dentro de nossos pulmões, veias e corações, o amor incondicional perde para a paixão. Um é conceito abstrato (bonito, espiritual, mas abstrato) enquanto o outro é vivo, pulsa, nos enche de ar e brilho nos olhos. Só vamos poder falar em “amor incondicional” quando isso for nosso oxigênio, motivo de acordar e sorrir pela manhã. Enquanto isso não acontece, é melhor trabalhar com o que temos nítido diante dos olhos: a paixão.
É ingenuidade afirmar um amor incondicional e achar que nossas relações amorosas chegam nesse nível depois de passar no teste do tempo e superar as turbulências passionais. Nada mais equivocado! Quando não mais estamos apaixonados, dizemos: “Eu não o amo mais”. E então alguém diz: “Se acabou, é porque não era amor”. Mas isso apenas altera nossa frase: “Então eu nunca o amei”. Podemos alegar visões elevadas, mas quando nosso peito está em jogo, o amor é, sim, sentimento condicionado, paixão camuflada.
Ao esconder a paixão sob o rótulo de amor, algo acontece: perdemos o amor. Deixamos de aproveitar a chance de construir uma relação de amor autêntico logo no início.
Continua…

Casar por amor é uma péssima idéia! – Parte 3


Na segunda parte, descrevi exigências e expectativas, além de desmascarar o amor como uma paixao mais duradoura. Agora falo de generosidade e motivação. A pergunta, entretanto, persiste: além dos sentimentos, além do amor romântico, haverá uma outra base para o casamento?

O amor como ação (ou sobre a generosidade maliciosa que podemos ser)

Nosso problema (e o texto) começa na paixão, então vamos assumir que talvez paixão e amor não sejam coisas diferentes. Quebrar o senso comum. Alterar o início de tudo. Olhar nosso papel ativo no percurso amoroso.
Podemos recontar a história da paixão sem demonizá-la. Em vez de assujeitamento ou padecimento, ação vigorosa. Em vez de cair, andar. Quando estamos apaixonados, vemos qualidades positivas no outro (algumas já existentes, algumas projetadas, idealizadas, alucinações nossas, mas a maioria sementes que de fato florescem depois, quando mostramos com orgulho para todo mundo que duvidou: “Viu, ele sempre foi assim!”), temos energia constante (amantes não tem sono, já percebeu? não dormem e ainda são os mais atentos no trabalho durante o dia) e incentivamos nosso parceiro para que ele seja cada vez melhor e mais feliz. A paixão, nesse sentido, é o próprio amor logo de cara. Não aquele amor sentimento, romantizado, que colocava nossa felicidade em poder do outro (“Você faz, eu sinto”), mas um amor no qual somos nós que descobrimos o poder de fazer o outro feliz.
Isso tudo acontece em paralelo aos processos de fixação no outro. Misturamos as duas versões da história passional, atividade e passividade, oferecer e receber. Nosso coração confunde a felicidade que sentimos por oferecer com a alegria de receber. Sentimos tudo junto, sem distinção. É por isso que quando o outro se vai, nos deprimimos e demoramos a resgatar nossa capacidade de oferecer, sempre disponível, verdadeira fonte de felicidade.
Em meio a uma paixão, observe que sua verdadeira alegria vem do fato de você se descobrir capaz de causar felicidade, de fazer a diferença. Sua vida ganha sentido porque você dá sentido a uma outra vida. Contemple isso, separe isso da satisfação temporária de suas carências, exigências, mimos e expectativas autocentradas. Enquanto estiver apaixonado, olhe para você mesmo como um veículo da felicidade do outro e contribua para irrigá-la. Quando desejamos a felicidade do outro (mesmo que não seja conosco), e existem práticas meditativas específicas fazer disso um treino diário, lentamente liberamos a fixação, superamos o apego e qualquer sofrimento que o outro possa vir a causar em nós. Na ausência de apego, o outro não tem poder sobre nós. Então podemos nos aproximar, nos envolver e amá-lo ainda mais, sem medo algum de se machucar.
O amor é essa ação que já está presente na disposição incessante que ganhamos quando nos apaixonamos. Amor que já começa na primeira noite de sexo. Sim, pois eu não sinto amor, eu faço amor. Eis o verdadeiro sentido da frase “Quero fazer amor com você”: quero foder, meter, atravessar, penetrar, pegar no colo, costurar, jogar, amansar, cuidar, beijar, respirar você. Eu não penso tanto em minhas sensações interiores, subjetividade emocional e sentimentos. Meu foco está na ação que faço em direção ao outro. Amar é precisamente isso: agir em direção ao outro, a partir do outro, a favor do outro.
O “eu” se faz desnecessário. O romantismo é descartado. Voltando à análise sintática, descobrimos os sujeitos inexistentes, como nas frases “Anoitece agora” ou “Há muita gente por aqui”. O que existe é ação e presença. Felicidade, prazer e alegria surgem como se não tivessem causa. Sem centro, de todos os lados. O verdadeiro amor é impessoal.
Prática, postura, ação, gesto, motivação. Amar é isso. Se o amor fosse um sentimento, teríamos de nos separar durante aqueles meses que não conseguimos sentir nada um pelo outro. E isso é mais comum do que podemos imaginar. Meses sem sentir quase nada pelo outro, qual o problema? Ainda assim amamos, ou seja, desejamos e agimos pela felicidade e pelo crescimento do outro.
Se amor fosse um sentimento, do nada seríamos inundados; no entanto, do nada também, seríamos esvaziados. Mas não. Não sentimos amor quando recebemos algo, ou quando somos invadidos por alguma química. Sentimos amor (e nos sentimos amados) quando amamos, quando olhamos o outro assim, quando cuidamos. É esse inesgotável poder de amansar o outro, avançar sobre ele, aninhá-lo e deixá-lo feliz que nos enche de amor, que nos deixa genuinamente felizes. E podemos usar mil linguagens para fazer isso: passional, irada, pacífica, acolhedora, lúdica…
Um amigo meu, por exemplo, com apenas alguns meses de namoro, tudo muito recente, viu sua namorada viajar para a Índia passar dois meses sozinha. Ele poderia ter ido junto, mas não foi. Era uma experiência de crescimento para ela que ele não poderia atrapalhar. E, na verdade, isso era algo que ele mesmo admirava nela. Ele não agiu pelo que sentia, ele agiu por amor.
E não fazemos isso por altruísmo. Se fosse uma obrigação, logo ficaríamos cansados, afinal nos movemos por desejo, alegria e prazer. É preciso desejar, sentir alegria e ter prazer em fazer o outro feliz. É por isso que somos uma generosidade maliciosa: no fundo, sentimos muito tesão em fazer alguém sorrir (muito mais do que quando somos nós que passivamente sorrimos) e mantemos uma gargalhada secreta por detrás dos olhos. Somos deliciosamente maliciosos porque não precisamos de nada de ninguém e, ainda assim, paramos alguém no meio da vida e dizemos: “Vem cá que eu quero andar e dançar a vida junto com você”.
Nossa malícia reside no fato de que amamos o outro sem que ele se torne essencial para nossas vidas. E a leveza da relação surge porque não nos vemos como fonte exclusiva da felicidade do outro (o que seria uma prisão). Ficamos completamente envolvidos, de pernas trançadas, mas sem deixar de andarmos com nossos próprios pés e sem impedir que o outro dance livremente, ainda que não seja conosco. Nossa malícia é a razão pelo qual o outro nos admira: a liberdade que temos de amar qualquer um, de ir para qualquer lugar, a qualquer momento, e mesmo assim (ou justamente por isso) permanecer em casa durante quarenta anos com uma única pessoa.
Esse amor, que não é sentimento algum, mas uma motivação, um voto secreto lembrado diariamente, é o único amor que passa no teste proposto por Alan Wallace no livro Budismo com Atitude:
“O teste do amor versus o apego pode ser feito quando você percebe que uma pessoa que você ama muda para pior. O que acontece? Se o amor for genuíno, os sentimentos de amor crescerão mais fortes. Se o amor for realmente um apego, haverá um afastamento.”

Várias razões para casar?

Agindo de modo livre e autônomo, podemos pegar nosso amor e construir todo tipo de relação. Conheço um cinquentão que tem três namoradas (uma sabe da outra), todas muito felizes. Outro virou monge e escolheu não se relacionar sexualmente com as pessoas. E o mais subversivo, crítico, ateu e libertário casou e acabou de engravidar sua esposa, rumo a uma relação que promete ser bastante duradoura. Todas histórias de amor.
Mesmo com a possibilidade de, sem problema algum, amar várias pessoas em relações curtas e intensas, muitos de nós preferem escolher um único parceiro para arriscar uma relação duradoura, o famoso casamento. Por que ficaríamos com o caminho aparentemente mais difícil e contrário à nossa autonomia hedonista?
Tenho algumas hipóteses. Por logística: namorar duas ou três pessoas dá muito trabalho, consome tempo e dinheiro, e complica as coisas se você pretende ter filhos. Por vontade de experimentar um relacionamento duradouro: saber o que é uma relação intensa é bem fácil, quatro dias e BUM!, você chega no ápice, mas saber o que é passar trinta anos com alguém, bem, isso demora cerca de trinta anos (e depois de 458 filmes e 980 músicas românticas, dá uma curiosidade…). Por acreditar que de algum modo conseguiremos viver aventuras de solteiro junto aos nossos cônjuges. Por projetos pessoais: é muito comum encontrar casais que trabalham juntos ou que, no mínimo, complementam e enriquecem suas vidas profissionais. Por prática espiritual: ter alguém que sabe como ativar todas as suas negatividades sempre por perto é essencial para reconhecê-las e liberá-las. Por pura covardia: ficar solteiro ou em namoros de poucos anos reifica nossa solidão e nossa exclusiva responsabilidade pela felicidade (não há quem culpar por nossos sofrimentos). Quando nossa vida der errado, se estivermos casados, pelo menos teremos alguém para culpar! :-)
Ora, analisando tais motivações, é fácil perceber que, se ficarmos com o outro por vontade de experimentar uma relação duradoura ou por prática espiritual, é muito provável que nosso casamento dure mais do que se ficarmos com ele por algum sentimento ou paixão.
Ainda assim, todas essas razões oscilam. Ora me engajo em um projeto, ora mudo de direção. Às vezes me esqueço da prática espiritual, às vezes minha coragem supera a covardia e fico com vontade de viver sozinho. Tudo pode flutuar sem perturbar a relação, não é mesmo? O casal pode trocar de trabalho, desistir dos filhos, não mais sonhar com uma relação duradoura, abandonar a prática espiritual, e mesmo assim ficar junto. Ou seja, nada disso parece ser a base de um casamento. Nem o mesmo o amor (ação pela felicidade do outro), pois em muitos casos o divórcio é a ação mais generosa.

O casal de velhinhos (ou sobre o voto secreto)

Imagine uma velhinha e um velhinho casados há sessenta anos. Eles já passaram juntos por várias configurações de corpos, emoções, visões de mundo, preocupações e sensações. Já foram bonitos, às vezes magros, às vezes gordos. Já foram apaixonados e entediados. Passaram um longo tempo em uma casa que não existe mais, contemplaram a impermanência, viram muita coisa importante perder a importância… Vida que nasce, cresce e morre.
Comparando o casal adolescente, sessenta anos atrás, em seus primeiros encontros na rua da escola, com o casal que agora se beija timidamente na cozinha, não conseguimos encontrar nenhuma semelhança. Absolutamente tudo mudou!
Pensando melhor, algo se manteve intacto. Enquanto tudo se transformava ao redor, enquanto os dois mudavam por dentro e por fora, eles continuaram juntos. Às vezes por uma razão, às vezes por outra. Às vezes por amor, às vezes por preguiça. Até quando a distância entrava no meio, eles mantinham o voto de ser um casal, de ficar junto.
Uma boa base para o casamento é a motivação de ficar junto. Todo o resto não define o casamento. E quando essa disposição não mais existe, pode existir todo o resto (tesão, paixão, logística, interesses, conforto, cumplicidade, amizade, companheirismo, admiração, amor) que nada sustenta o casamento. Amor, paixão, tesão, cumplicidade e respeito podem continuar existindo em uma relação que não mais acontece pelo casamento. O cara pode continuar amando, admirando, respeitando e beneficiando sua ex-mulher, pode transar eventualmente e até viver uma paixão eventual anos depois. A única coisa que acabou foi a motivação de ficar junto, ou seja, o que de fato sustentava o casamento.
É simples, descomplicado. Nada místico. Totalmente cru, puro bom senso. E por isso relutamos em admitir que essa seja a base de um casamento. Queremos mágica, queremos enfeite, coisa do destino, vidas passadas, sincronicidade. Queremos viver um “amor incondicional”, eterno, além da morte, mas com alguém específico, nossa “alma gêmea”. Nada mais contraditório. Nada mais condicionado.
Quando for pedir uma mulher em casamento, esqueça o discurso “Eu nunca fui tão feliz, você mudou minha vida, quer se casar comigo?”. Admita logo que você não sabe por que a encontrou, que ela não foi seu melhor sexo na vida, que não foi por ela que seu coração bateu mais forte (e sim por uma menina feia quando você tinha 15 anos), que você não é necessário para a felicidade dela e que ela não é pré-requisito para a sua. Admita que você poderia estar com outra, mas que escolheu amá-la, viver ao seu lado, compartilhar vidas e construir mundos. Olhe nos olhos dela e faça um voto silencioso (o que você disser em voz alta não importa):
“Agora eu consigo atravessar e sorrir de dentro de você, mas daqui a pouco essa conexão vai oscilar. Às vezes eu não vou te entender ou vou ficar distante. Às vezes você vai parecer feia e eu fraco. Tudo vai mudar. Mil emoções vão girar, inúmeras coisas vão dançar dentro, fora, entre nós. Por isso a gente faz o voto de ficar junto, no meio disso tudo, e de explorar o amor ao limite, ver até onde ele vai, no que ele se transforma, quais suas mil faces.
Quando tudo desabar, quando duvidarmos, inseguros, de nosso próprio amor, quando doer, quando ficarmos confusos, vamos lembrar que se há um inimigo, se há algum responsável pelo sofrimento, não é você nem eu, mas a confusão. Nós vamos nos juntar até mesmo quando estivermos mal. Vamos nos unir para dissolver nossos obstáculos, em vez de achar que uns problemas são seus e outros meus.
Sentimentos e sensações vem e vão, despontam, passam e cessam. E nós somos o espaço onde isso tudo se dá. Nós somos aquilo que fica. E eu quero ficar, ficar desse jeito, sempre presente, sem fugir, sem me esconder, penetrando tudo o que surgir pela frente, eu quero ficar com você.
Por que você? Sinceramente? Não é que eu confie em você, pois somos todos movimento constante. Eu mesmo não sou uma boa base para nossa relação. Não é exatamente porque você me faz bem ou porque eu beneficio sua vida, mas porque nós juntos fazemos muito bem um ao outro, e nós para os outros. Mais do que de você, gosto mesmo do que somos como um casal.
Eu aposto no espaço entre nós, naquilo que conseguimos fazer surgir juntos. Sei que poderia visualizar isso em outra pessoa, mas por que não com você?
Sinto-lhe informar, mas você vai se casar comigo.”

A logística do amor

 

  

Os detalhes técnicos da relação são muito mais importantes do que pensamos…

Ele chegava cansado. Lavava louça enquanto preparava o jantar com ela. Comiam. Ele deitava no sofá para descansar um pouco ou ficava respondendo emails. Ela tomava banho e voltava para beijá-lo. Ele se sentia sujo e não queria nada antes de tomar banho. Ele sempre se demorava e ela dormia antes. Depois de um tempo, isso os destruiu. Tivesse ele tomado banho antes…
Parece um detalhe insignificante? Não é.

A cegueira do amor romântico

Nossa mania de basear a relaçao no amro romantico, nos sentimentos, ofusca a importância de outros aspectos mais técnicos, frios, funcionais, como a logística, o workflow, o controle de estoque da coisa. Tendo amor e paixão, de que importam rotinas, hábitos, trabalhos, deslocamentos e os mil processos de nossas vidas? Assim pensamos, iludidos.
Por que você acha que os casamentos arranjados davam certo? Ora, quando a logística é bem estruturada, amor é o de menos. Com o tempo, aprendemos a cuidar, sentir tesão, transar, amar, admirar, se apaixonar. Ao ouvir isso, sentimos uma certa aversão à ideia de “aprender a sentir tesão”, não é mesmo? Somos fascinados pela paixão súbita, pela química inexplicável, pelo amor que parece vir de uma vida passada. É o espírito fast food nos relacionamentos: queremos tudo pronto, do nada, agora.
Admiro o arquétipo da relação Romeu e Julieta pelo aspecto libertário, mas sempre achei esse modelo adolescente demais, mimado demais. É uma das fundações do amor moderno e se atualiza sempre que uma relação começa com um “Eu gosto dele, ele me faz bem, eu sinto um frio no peito” e fica só nisso, sem olhar o mundo inteiro do outro. Se é para fazer amor, vamos dar, penetrar, meter no mundo inteiro um do outro. E muito desse amor se faz com coisas das quais não gostamos.
Nós, Romeus e Julietas, precisamos crescer e aprender a fazer o que precisa ser feito, para além de nossas teimosias, birras e manhas. Aprender a reconhecer e lidar com a logística do amor com a mesma frequência com que olhamos para nossos sentimentos.

Um homem alérgico a cortinas

Pensamos que sabemos a origem de nossos problemas, mas não sabemos. Com perturbações fisiológicas, o diagnóstico não é fácil, imagine com as emocionais e relacionais.
Somos como um homem alérgico e apaixonado por cortinas. Ele não desconfia de sua alergia, age movido por “gosto / não gosto” e sempre compra mais uma cortina, até para onde não tem janela. Como está sempre espirrando, troca todos os móveis, muda de casa, muda de cidade, rejeita amigos e namoradas, briga com a família, mas nunca abandona as cortinas. Ele vai a psicólogos, cria teorias sobre por que espirra na frente de tal e tal pessoa, lista os problemas dos outros pelos quais teria aversão, compra livros do tipo “Como interpretar seus espirros”…
Focamos tanto em nossa subjetividade, nas emoções, no amor romântico, na paixão, em nossos desejos e mimos, que esquecemos do mundo, dos processos, das coisas, da logística. Bastaria a esse homem jogar fora as cortinas para ser feliz em qualquer casa.
Se tal metáfora lhe parece muito distante e caricata, imagine uma pessoa que, por algum motivo, para de trabalhar, tem sua carência potencializada pelo tempo livre, e começa a encontrar problemas na relação, se sentir insatisfeita com a ausência do parceiro, reclamar, brigar, até terminar a relação com uma lista de coisas que o outro não faz, que o outro não é. Tivesse ela voltado a trabalhar…

Nossa mente é relacional

O que alimenta esse processo é nosso autocentramento e a ilusão de que existe uma mente fechada dentro de nossa cabeça, em vez de pensamentos e emoções que existem de modo impessoal flutuando como possibilidades por aí, que podem ser incorporadas ou apenas passear livres no espaço que somos. Nossa mente é relacional, ela se expande entre as pessoas, para dentro delas, entre locais e objetos.
Quando surge um problema, temos certeza de que ele é nosso ou do outro, que está dentro de alguma mente, não no chão, na cortina, no espaço entre pessoas e coisas. Como nos levamos a sério, vivemos emoções de modo pessoal e usamos nossos dramas para dar sentido à vida, é muito difícil admitir que a maioria dos nossos problemas mais sérios e gigantescos são frutos de detalhes (como uma cortina) e poderiam ser transformados com mudanças simples de logística.
Nossa mente não tem nada dentro. Ela é um olho que se posiciona aqui ou ali – aqui, vê uma perspectiva; ali enxerga outro universo. É por isso que uma cortina pode mudar nossa vida.
Entre um mendigo jogado na rua e eu, a única diferença é de posição, não de conteúdo mental ou “personalidade”. Em menos de uma semana passando frio, sem comer, eu teria os mesmíssimos pensamentos, o mesmo mundo emocional, a mesma personalidade. Possivelmente roubaria ou mataria alguém.
A logística de minha vida, minha rotina, meu trabalho, minhas roupas, meu apartamento, meus deslocamentos, tudo aquilo que penso não ser eu é muito mais responsável por minhas experiências do que consigo imaginar. Assim como meu namoro, que não é o laço entre duas subjetividades, mas a interface entre céus, chãos, armários, paredes, computadores, trabalhos, camas, agendas, futuros, passados, famílias, restaurantes, sonhos, banheiros, supermercados, carros, trejeitos, vassouras, panelas, livros, manias, escovas de dente…
* Crédito da imagem acima: James Jean, “Wave II” (2009).

Como namorar com pausas de 2 dias por semana

O casal que já superou a necessidade excessiva por paixão e romantismo pode focar mais livremente nos recursos e nos fluxos que, de fato, possibilitam que a relação avance. Se ambos ainda estão preocupados com “Você gosta de mim? Você me ama? Você me deseja?”, uma conversa sobre morar em casas separadas é inviável. A ironia é que justamente essas mudanças logísticas, que podem provocar insegurança, salvam muitas relações – e, a longo prazo, só aumentam a confiança.
No filme Sex and the city 2 (que assisti para comprovar uma ideia que publicarei no PapodeHomem), consegui encontrar uma questão interessante: o marido da personagem principal propõe uma pausa semanal no casamento, 2 dias em que eles ficam em apartamentos diferentes, sem se ligar, fazendo o que quiserem – pelo que entendi, eles tem de se manter fieis, mas não vejo problema em adaptar essa regra. ;-)

“E aí, querida, saiu com alguém ontem? Comprovou que eu sou melhor ou vai continuar procurando?”
Basta questionar um pouco as convenções naturalizadas, basta quebrar processos automatizados, reconhecer e mexer na logística, para se surpreender com novos fluxos do amor, novos olhares de desejo, interfaces e toques que nunca foram explorados porque não havia suporte, horário, transporte, cama pra isso.
Casar e morar em casas separadas: “Você vem jantar e dormir aqui hoje?”. Ou dormir em quartos diferentes com duas camas de casal, sendo que às vezes uma delas fica vazia à noite toda. Não criar uma conta conjunta. Não casar, apenas morar junto. Casar e ficar solteiro, sem bloquear novas relações. Fazer regras por brincadeira e não fazer disso mais uma regra (nem dessa frase e nem desse parênteses). Ou fazer e esquecer, como dois caretas convencionais, por que não?
Mais do que isso, em cada detalhe, podemos olhar para as questões logísticas da relação, detectar obstruções e brincar de mover o sofá na nossa sala para ver em que parte do chão ainda não transamos. Aliás, isso de mover juntos o sofá é tão importante quanto transar no chão.
Enfim, possibilidades e mais possibilidades para quem não confia no amor e sabe que o horário do banho pode acabar com um relacionamento.

Qual sua experiência com essa logística do amor?

Eu tenho muita curiosidade em saber se vocês já viveram isso. Qual foi o seu “horário do banho”? Já viveu  um relacionamento que deu muito certo ou muito errado por causa de um simples detalhe logístico? Já fez alguma mudança simples que alterou todo o curso da relação? Quais “sofás” mudou de lugar?

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Qual é o nosso verdadeiro problema?

Visão embaçada: nenhum caminho é a saída. Apenas o sinal STOP não está proibido. Parar é a única saída.Lama Padma conta que recebe emails gigantes ou escuta alunos falarem por quase uma hora. História detalhada, problema justificado. O discurso dá solidez e um caráter de ineditismo e singularidade ao problema. É como se disséssemos: “Lama, o senhor dá instruções que valem para todos, menos para mim”.
Ainda que nossa mente saiba do absurdo de tais crenças, nosso coração e nossos pulmões afirmam com toda a ingenuidade: “Isso nunca aconteceu antes com ninguém, essa história toda é inédita, eu não sei e ninguém saberia o que fazer, por isso dói tanto!”.
Durante uma confusão, ao enviarmos um email pedindo conselhos, o que mais desejamos é reconfigurar a situação. O homem traído deseja, antes de tudo, que possa voltar ao passado e desfazer o evento, ou, pensando mais realisticamente, que sua mulher se arrependa e corte o envolvimento com o outro, ou que ele mesmo deixe de amá-la. Queremos uma resposta para a pergunta que fizemos e assim nunca percebemos que o problema se esconde na própria pergunta!
A esposa insatisfeita não sabe se trai ou não o marido, a mulher aflita pergunta como voltar com o marido e a garota que se sente carente arruma um parceiro atrás do outro… Elas todas enviam emails perguntando o que fazer, buscam alterar as situações ao redor, e sequer desconfiam de seus verdadeiros problemas: insatisfação, aflição, carência. Ora, elas não estão sofrendo porque desejam trair, querem voltar ou fazem sexo sem parar… Elas estão sofrendo porque estão oprimidas pela carência, se movem por insatisfação e estão afogadas em emoções perturbadoras.
Achamos que nosso problema é o namorado que foi embora, a mulher que traiu, o parceiro indeciso, a falta de sexo, a comunicação confusa,  a ausência de diversão, grana ou tesão. Mas não é. Nosso problema é a insatisfação gerada por colocarmos nossa felicidade, nossa alegria, nossa energia, nossa respiração, nossa vida em cima de bases instáveis como um namorado, uma mulher, um apartamento, um emprego, uma conta bancária, uma identidade, um pensamento, uma religião…
Diante de um longo email ou depois de um discurso todo enrolado no qual a pessoa se esforça para explicar sua situação (“Vou dar os detalhes para o senhor entender bem por que estou sofrendo”), um mestre de meditação, que obviamente já sabe por que a pessoa está sofrendo antes mesmo de ela começar a falar, enxuga e reduz a complicação com uma simples pergunta: “Como está sua mente? O que você está sentindo? O que está sofrendo?”. A pessoa tenta explicar por que e como está sofrendo. Então o mestre pergunta novamente: “O que você está sentindo?”.
Ela não entende qual a relevância disso, afinal tem uma situação a resolver. Por um instante acha que o mestre não entendeu o problema, mas enfim responde: “Estou sentindo raiva” ou “Estou ansiosa” ou “Estou deprimida”. E então o mestre sorri: “Ótimo, então descobrimos o problema! Pratique meditação com a motivação de se liberar da raiva e também com o desejo de que nenhuma outra pessoa seja arrastada por isso”. Ou “Temos bastante trabalho a fazer aqui na comunidade, eu soube que você é médico, então comece amanhã a atender as pessoas que não podem pagar. Isso vai curar sua depressão”. Para a ansiedade, além da meditação, talvez ele ensine alguma arte como thangka ou sumi-ê.
Curiosamente, o mestre ignorou toda a situação, não falou como agir com o ex-marido, o que falar para a namorada, o que fazer, qual direção seguir. Se o aluno seguir a instrução, transformar sua mente e se liberar da aflição, o sofrimento pode não desaparecer por completo, mas ele não exigirá uma decisão. O desconforto será visto como tal em vez de agir por trás impelindo mil ações precipitadas. Restará uma situação a ser vivida como qualquer outra, seja o fim ou a reconstrução de uma relação, a mudança ou a permanência no trabalho, na cidade ou no casamento.
Sem um mestre desses, fazemos tudo ao contrário. Assim que surge a insatisfação, a raiva, a carência, a ansiedade ou qualquer forma de perturbação, sentimos um desconforto, uma necessidade de se mover, mudar, tomar uma decisão. Em nenhum momento desconfiamos que estamos sendo comandados pela aflição. Pelo contrário, ela vira nosso líder, mestre, guru, nossa intuição mais sábia: “Estou sofrendo muito, acho que é o momento de acabar com ela!”.
Nós sofremos porque vivemos sob a ilusão de que alguns caminhos são mais seguros do que outros, que uma identidade é melhor que outra, que a estabilidade pode ser encontrada em alguns pontos e não em outros, que seremos felizes com algumas pessoas e não com outras. Sem perceber, passamos a vida inteira buscando tais posições, identidades, locais e pessoas. O fim da história nós já sabemos e teimamos em ignorar: todos morrem antes de conseguir encontrar o Santo Graal.
Tomando essa ilusão como referencial, sempre que surge algum sofrimento, interpretamos a situação como um alerta: “O príncipe não é ele, o paraíso não é aqui, o Santo Graal deve estar em outro lugar!”. Desconforto, insatisfação, vontade de se mover, decisões calculadas, consulta com o psicólogo, longo email para o Contardo Calligaris, para o amigo sábio, para o lama ou para o moleque do blog lilás.
Enfim, depois de acertarmos o diagnóstico, é fácil entender a resposta padrão. Vou imaginar uma mulher, mas funciona bem com um interlocutor masculino (basta mudar pouca coisa).
Simples e curta, aqui vai…

A resposta padrão para qualquer problema de relacionamento

O curinga é a carta que vale como qualquer uma, a resposta para qualquer pergunta, a saída para qualquer problema
“Oi, Nome-da-pessoa-confusa,
Situação linda essa, não? Olha, vou ser sincero, mas talvez não seja a resposta que você esteja esperando.
Pode ser que você trepe com ele insanamente, se libere e melhore sua relação com seu marido, descobrindo modos de ter prazer. Ou pode ser que você e se envolva e construa uma nova relação, dando fim ao seu casamento.
Ir ou ficar, ter outro homem ou não, ambos geram aflições. A saída não é ir ou ficar mas superar as aflições (ansiedade, carência, medo, raiva, inveja, orgulho etc). Como a gente não entende isso, melhor ir e ficar para se foder de todo jeito e então sacar que o caminho é outro.
Se você não se relacionar com outros homens, vai ficar sempre com algo intocado dentro de você e algo não vivido esperando lá fora. Mesmo se esquecer esse cara, surgirão outros. O processo será o mesmo. Same old song.
Se você der pra ele, vai deixar coisas que não quer deixar, vai fazer esforço em uma direção e depois vai se arrepender – assim como se arrependerá se não viver a paixão.
Se tentar ir por disciplina e repressão, vai se segurar o resto da vida, com um certo amargor. Por outro lado, se você se soltar totalmente, vai fazer outros sofrer e gerar constante tensão interna.
Essa constante insatisfação é nosso grande problema. Quando você perceber isso 100% com mente e corpo, quando entender que não temos saída alguma tentando acertar dentro desse processo cíclico,

Melodias internas que não ouvimos

A trilha sonora sempre existe, com ou sem música de fundo. É como se estivéssemos colorindo as cenas da vida o tempo todo com nossos instrumentos musicais invisíveis e nossa tendência a diretor, compositor, cineasta. Estamos dirigindo, filmando, posicionando câmeras, editando, roteirizando, decupando, perfumando, prestando atenção na continuidade e, claro, ajustando a trilha sonora, quadro a quadro.
Isso tudo fora o personagem. Além de viver, envolvemos o vivido em um mundo de sentido, em uma história que inventamos o tempo todo sem saber.
Mais do que uma metáfora, é precisamente esse o nosso funcionamento! A cada momento, encaramos as coisas com algum pré-roteiro, alguma predisposição melódica, uma ou outra preferência estética. As músicas, essas de som, só aumentam o volume das trilhas inaudíveis, mas elas sempre estão presentes, caso contrário as músicas nesse post não fariam absolutamente nada com sua mente.

Cena: uma namorada e um cara tomando banho

A namorada sobe. Ele está no banho, atrasado. Saiu apenas para abrir a porta e logo voltou. Se esse será um filme pornô ou um drama existencial, bem, não está na cena a definição, mas na trilha sonora.
Ela pode passar por esse momento já imaginando como seria entrar no banho. Ou esperar pelo namorado nua na cama. Da ideia à prática é um pulo. Ela também pode viver essa mesma experiência, sem objetivamente mudar nada, como uma aflição, irritada porque ele está demorando de novo, não se aprontou antes de novo, não a valoriza mais… Esse outro filme continua com ela sentada no sofá, impaciente, emburrada quando ele sai do banheiro.
Se analisarmos apenas o banho desse cara, não há diferença entre as duas cenas. Não há nada no banho dele que ative uma ou outra resposta em sua namorada. É o modo com que ela olha para o banho que constrói o filme todo. A posição da câmera, o foco na edição, o ritmo da trilha que ela não ouve, mas que não cessa de movê-la. Até mesmo sua experiência de tempo (o banho vai durar minutos ou décadas?) é definida por essa trilha oculta.
Mais ainda, uma vez que ele fecha a porta e religa o chuveiro para terminar o banho, a experiência explode com tudo, deixando inacessíveis todas as outras possibilidades: trilhas, edições, ângulos que ela não escolheu. É por isso que, sob a perspectiva da namorada, parece que o banho é aquilo mesmo que lhe parece, do jeito que surge, com a textura ali manifesta. Se ela está irritada, tem toda razão: ele, de fato, deveria ter se arrumado antes. Se está excitada, perfeito: ele vai sair do banho louco para comê-la antes de se vestir.
Nossa tragédia começa no ocultamento dos filmes que deixamos de viver por causa das trilhas que continuamente tocamos, das edições instantâneas, ângulos de cada olhar, roteiros que seguramos debaixo do braço. O filme que surge parece o único possível, como se viesse pronto, lá de fora, como se não tivesse o nosso nome nos créditos.

Link YouTube | Esse cara pegou a melhor música da trilha de “The straight story” (do mestre Angelo Badalamenti) e botou em cima de cenas de seu bairro. Olha o resultado, dá até vontade de ir lá conhecer. Aliás, é assim que a gente se apaixona: colocamos pra tocar a nossa melhor música em cima de alguém, que por acaso ficou algum tempo por perto. A paixão é essa aura. Como é nossa melhor música, vemos o melhor do outro e acabamos expondo o nosso melhor. Quer dizer, até outras trilhas começarem a tocar o terror…

Brincando de cineasta

Não há nada de errado nesse processo de construção cinematográfica da vida (e me refiro à própria percepção de cada fenômeno, não a alguma espécie de romantização posterior). O problema está na cegueira, no fato de não sabermos que estamos agindo assim, não exatamente no sofrimento que alguns filmes mais duros despejam sobre nós.
Ora, já que a trilha sonora está aí, já que todo momento já surge condicionado, já que nunca temos acesso às infinitas possibilidades, só nos resta olhar para o modo como estamos trazendo os eventos à tona, como estamos construindo a vida que parece nos acontecer, que parece vir de fora. A cada momento, somos obrigados a pisar numa direção ou em outra sem antes saber qual terra é melhor. Pisamos e só depois dizemos: “Ah, aqui é fofo”. A cada passo, uma desconfiança, mesmo em terras boas: “E se lá for melhor?”. Ou: “E se a terra boa acabar no próximo passo?”.
Nossa situação atual, seja qual for, agora mesmo, não é positiva ou negativa em si mesma. Há alguma trilha sonora interna atuando sem cessar para que ela nos apareça de um certo jeito, para que a vivamos como uma experiência específica. Em vez de se preocupar em dar o próximo passo, torcendo para que ele nos leve a uma situação melhor, podemos simplesmente mudar a trilha sonora e ver no que dá, ver como isso altera a experiência toda, mais até do que se mudássemos a situação diretamente.
Voltando à cena do homem no banho, agora vemos a namorada sorrindo para sua própria dinâmica, ouvindo a trilha sonora que colocou, sem saber, na cena. Ela pode ficar emburrada ou pode tirar a roupa. A situação não está definida; o que vale é a experiência dessa situação. Na verdade, o que chamamos de situação é tão somente nossa experiência. Não há situação em si, independente de nossa edição, roteiro, fotografia, iluminação…
O banho do cara demora o suficiente para ela avançar um pouco mais. Agora ela simula os dois filmes em fast-forward e observa como ficar emburrada não é necessariamente pior do que tirar a roupa, pois talvez ela tire a roupa, ele broche e os dois briguem. Talvez ela fique emburrada, ele fique nervoso e eles acabem com as frescuras se acabando no chão, o que por sua vez não é necessariamente melhor ou pior do que brigar… ;-) Basta um outro fast-forward para comprovar a infinita abertura e flexibilidade dos eventos.
Ela continua até se dar conta de que o que importa não é seguir em uma ou em outra direção, mas seguir com olhos abertos para a liberdade sempre presente, para a insubstancialidade de cada momento, como se tudo pudesse virar lixo ou ouro, a cada segundo, como se nada nunca se definisse e se fechasse completamente.
Sua escolha, então, não é entre o sofá e a cama, a cara emburrada e a perna esticada, entre uma situação e outra, mas entre viver o filme como cineasta e viver o filme como um ator com amnésia.

Link YouTube | Ouça lembrando da vida inteira ou de uma história amorosa. O que sai?

Silêncio

Ouvir a trilha sonora pela qual atuamos e poder transformá-la. Trocar olvido por ouvido. Liberdade não é só isso.
Se o cara ficasse um pouco mais no banho, a namorada certamente questionaria até mesmo sua necessidade de mexer na trilha sonora para ter outras experiências de uma mesma cena. Ela olharia com calma para essa capacidade de mudar a trilha, de trocar de roteiro, de ajustar ângulos… e desconfiaria de uma liberdade anterior: a de criar filmes e trilhas.
Brincar de cineasta é excelente, claro. Mas como é possível que uma cena que hoje nos aflige (a ponto de cortar nossa fome) amanhã seja motivo de risadas soltas e despreocupadas? O que faz com que os filmes e trilhas se alterem tanto e tão rápido?
Mais do que culminar em uma resposta, essa pergunta direciona nosso olho para uma dimensão além de qualquer trilha sonora, algo como o que imaginamos quando ouvimos a palavra “silêncio”.
Repousando nesse silêncio, e não em filmes específicos e suas possíveis edições e refilmagens, entendemos que não precisamos criar um filme a partir de outro, resolvendo algo, trocando algum personagem, mudando a trilha ou a fotografia. Dá para criar um filme a partir da própria liberdade de criar filmes, do zero – o que não significa alguma espécie de fascinação pela morte ou aversão à continuidade, pois uma das coisas mais divertidas é criar, do zero, a mesmíssima realidade que existia anteontem. Não é isso o que uma garota faz quando atende o telefone com um “Oi, amor…”?
Pois bem, é claro que o homem de nossa cena saiu do banheiro depois de todo esse tempo. Sua paciente namorada talvez esteja na cama, talvez no sofá ou até já tenha ido embora. O importante é que ele também tenha percebido algumas coisas enquanto a água corria…